Uma historinha...
Alguns anos atrás, o atual presidente do ANSB foi dar aulas de combate a incêndio aos Bombeiros Voluntários de Rolante no Estado do Rio Grande do Sul. Um dos exercícios foi era simular a extinção de um incêndio em veículo, parado no meio da rua. Para isso um dos voluntários tinha estacionado seu carro no lugar escolhido para o exercício e devia representar o proprietário em pânico.
Quando a viatura chegou, os Bombeiros rapidamente ficaram incomodados com o dono do veículo, fazendo com talento o seu papel, gritando com os Bombeiros dizendo que tinham demorado para chegar, querendo tomar as mangueiras para apagar logo o fogo, etc... até que o comandante da equipe lhe deu um sermão para acalmá-lo.
No final do exercício, todos se reuniram na base para debater. E claro, parabéns mútuos, o exercício foi bom, tudo tinha sido perfeito, etc. etc. O moral estava alto! Realmente, sair na rua com o caminhão bonito, roupa de incêndio e capacete, e desenrolar mangueiras na frente das meninas bonitas é sempre agradável. Tudo parecia ótimo até chegarmos ao nosso voluntário "dono do carro". De fato, mesmo sendo apenas um exercício, mesmo que ele próprio fosse um voluntário como os outros, o fato de não ter participado e se ter colocado no lugar da pessoa que era proprietária do veículo permitiu-lhe ver as coisas de um ângulo diferente. Quando chegou a vez dele falar, ele criticou duramente os colegas, que não tinham considerado em nenhum momento a sua angústia. Ele explicou, então, que ele tinha economizado durante vários meses para comprar o carro, que agora estava destruído, enquanto ele nem tinha terminado de pagar as prestações. E que sem um carro, ele não poderia mais ir para o trabalho, de modo que ele iria perder o seu emprego, o que sem um trabalho ele não poderia mais pagar as contas, nem as prestações da casa ou a escola de seus filhos, etc... Naqueles poucos minutos, todo o grupo pôde tomar consciência de que o carro não era apenas uma pilha de sucata enfumaçada. Descobriram o significado do veículo que ninguém havia suspeitado. Para os Bombeiros tinha sido "um bom fogo", enquanto para o proprietário foi um verdadeiro desastre cujo impacto duraria vários meses e teria inúmeras consequências.
Em 15 minutos esses voluntários, sem saber, descobriram a essência de uma publicação de 1973 intitulada "America Burning" (A América queimando, em tradução livre). Este documento é o resultado do trabalho da Comissão Nacional de Prevenção e Controle de Incêndios dos Estados Unidos, criada pelo Presidente dos Estados Unidos Richard Nixon em 1971, com o objetivo de responder a uma pergunta aparentemente simples: "quanto custa um incêndio?"
Considerando que, anteriormente, a estimativa do custo de um incêndio se baseava apenas no custo do elemento destruído, a comissão tinha descoberto, como nossos voluntários de Rolante, que a destruição em si teve um custo, mas que os custos gerados posteriormente eram muito maiores.
Alguns anos mais tarde, em 1989, os valores da publicação original foram revisados para cima. Em 1989, o tratamento de uma pessoa queimada em um incêndio custava mais de 100.000 dólares (cerca de 500.000 reais). O custo dos incêndios como um todo foi estimado em U$ 10,400,000,000 ou cerca de R$ 55 bilhões por ano... O Brasil está podendo perder U$ 55 bilhões por ano? Acreditamos que não... Especialmente porque estamos falando apenas de incêndios, sem nem tratar ainda de primeiros socorros...
Nosso amigo José
Ao invés de falar de grandes incêndios, dignos de filmes de desastres, vamos nos interessar por José, simples cidadão de qualquer pequena cidade do Brasil. Vamos colocá-lo sob o nosso microscópio e observá-lo.
O despertador do nosso amigo José acabou de tocar. Hora de trabalhar! José desliga o despertador do celular que comprou e pelo qual, sem perceber, pagou impostos. Neste caso, o ICMS e outros. José levanta-se e acende a luz. Eletricidade, sobre a qual ele também paga impostos. Ele vai preparar o café sobre o qual também pagou impostos. Para esquentar a água do café ele usa gás (novamente pagando impostos), ainda mais que o gás é bastante caro, porque o vendedor do gás também deve pagar impostos. Depois toma banho (pagando imposto na conta de água), veste-se. (roupa importada? imposto de importação!) Então ele leva sua motocicleta (novamente impostos). Vai abastecer? Impostos! (Sim, claro!) e então ele chega ao trabalho. Lá, seu trabalho tornará possível produzir riquezas, e ele vai ganhar um salário. A riqueza que ele produz para o seu empregador permitirá que a empresa pague impostos.
Todos os impostos que José pagou servem para financiar serviços públicos: educação, saúde, mas também Exército, Polícia, Bombeiros militares etc.... Neste nível, observemos um ponto específico que muitos Brasileiros não parecem entender: existem impostos municipais, estaduais e federais mas, na realidade, esta diferença refere-se apenas ao órgão que recebe o dinheiro e o redistribui através de serviços públicos.
Há um país, o Brasil, e um território, dividido em municípios. Não há nenhum habitante e nenhum metro quadrado do território do país ou de um Estado que não pertença também a um município. José é, portanto, um cidadão do país, do estado e de sua cidade, portanto, de três entidades sobrepostas. Quando uma cidade tem um serviço público, os habitantes dessa cidade pagam por ele. Se este serviço é gerido pelo município, pelo nível Estadual ou pelo nível federal não muda nada. Dizer "isso não custa nada ao município porque é o Estado que paga" é totalmente estúpido porque o dinheiro que o nível Estadual usa vem dos moradores da cidade e se o dinheiro é gasto em um serviço, obviamente não vai estar disponível para outro.
Concretamente, se na sua cidade do Sul do país falta lápis na escola pública, pode ser porque a Polícia Militar no norte do país teve um acidente com o carro e tem de comprar outro. O país é como o seu orçamento familiar: você gasta para uma coisa, e não tem para outra.
Agora de volta ao nosso amigo José. Ele vai trabalhar. Mas a gestão da sua cidade não é muito boa... José vai trabalhar muito cedo de manhã e não há iluminação e há buracos no asfalto. Então nesse dia o nosso bravo José cai e quebra a perna. Em um país europeu, menos de 15 min mais tarde ele estaria em uma ambulância que teria chegado acompanhada por um veículo de resgate veicular, para sinalizar a área e evitar um novo acidente. 10 min depois José teria sido recebido no pronto socorro do hospital, seria operado e tratado. Alguns dias depois, ele poderia sair do hospital, voltar ao trabalho e assim produzir riquezas e pagar impostos.
Mas José está no Brasil. Em sua cidade, como o Prefeito não vê razão para isso, não há serviço de socorro. José vai ficar no chão por um longo tempo e sua condição vai piorar, até que as pessoas vão desistir de esperar, vão colocá-lo em um carro (ferindo-o ainda mais) e levá-lo para o hospital, onde ele vai esperar umas duas horas antes de alguém cuidar dele. O resultado é que José vai ficar no hospital por muito tempo depois de sua operação e pode até perder sua perna.
Pobre José. Isto é triste? Não só triste! É economicamente catastrófico. Por quê? Simplesmente porque no momento em que José caiu, ele parou de produzir riqueza para o país e começou a "custar". José já não anda de moto, por isso já não paga impostos. Está no hospital, por isso consome o dinheiro que tinha pago em impostos. José faz falta na empresa. Ele produzia, e não produz mais. Assim, o volume de negócios diminui e a empresa paga menos impostos.
A escola pública da sua cidade não tem dinheiro para comprar lápis? Vá ver quanto custa a hospitalização do José e vai perceber rapidamente para onde foi o dinheiro dos lápis.
Antes do acidente José gerava lucro, depois do acidente José custa.
Como resolver este déficit? A solução mais simples é pensar que José teve um acidente, mas o seu colega Marcelo não caiu, então ele continua a trabalhar. Para compensar as despesas do acidente da José, despesas que são resultado do buraco no asfalto e que são enormes porque não temos serviço de socorro, vão-se aumentar os impostos pagos por Marcelo! Fácil! Só que há muitos Marcelos que não caem, há muitos Josés que caem... E depois de um tempo, Marcelo cansa de ganhar pouco e pagar muito. Ele faz um concurso público para virar servidor e não ficar mais do lado dos que produzem, e sim dos que custam.
Não é preciso ser um grande gênio financeiro para compreender que o país não avança desse jeito. E isso inclui todos, não apenas os pobres.
De fato, o problema não reside na falta de dinheiro. Reside na distribuição que é ruim. No entanto, quanto pior a situação, mais parece faltar dinheiro e, em vez de dar um passo atrás e pensar em investimentos a médio e longo prazo, muitas vezes a gestão é feita a curto prazo, de forma precipitada ou com base em dados que parecem corretos, mas não são.
Assim, há alguns meses, o Comando Geral de um Corpo Militar Bombeiros explicou na imprensa que o seu serviço tinha encontrado uma solução para resolver problemas de pessoal, que consistia na utilização de pessoal temporário como fazem os Bombeiros militares franceses e, portanto, funcionava muito bem. Não duvidamos da boa fé deste senhor. Exceto que os Bombeiros Militares brasileiros não são equivalentes aos Bombeiros militares franceses, que são do Exército (em Paris) e da Marinha (em Marselha). Os Bombeiros Militares brasileiros são mais comparáveis aos Bombeiros não-militares franceses, profissionais funcionários públicos de cada departement (pequeno Estado) e assim desde o início, a comparação não se mantém. Além disso, os Bombeiros Militares franceses utilizaram este sistema de serviço temporário dentro de um contexto estrito de um verdadeiro serviço militar. No entanto, na França, o serviço militar foi abolido pela lei 97-1019 de 28 de outubro de 1997...De qualquer modo, vamos torcer para que dê certo.
Configurar um projeto é uma coisa, mas se você montá-lo com dados errados, é de temer que o resultado não será o esperado. Ora, se um comerciante cria um projeto com base em dados errados, e fracassa, é necessário admitir que ele mesmo sofre as consequências porque joga "com o seu próprio dinheiro". Por outro lado, não pode-se aceitar que um órgão público faça o mesmo. Porque o nosso bom Marcelo não vai pagar indefinidamente...
A estimativa da existência ou ausência
A implementação de um serviço tem, de fato, o mesmo problema que a implementação de um controle de qualidade numa empresa. A pergunta que se faz, imediatamente, é "isto vai custar quanto". Os gestores de qualidade geralmente respondem com outra pergunta: "Quanto custa a falta de qualidade?". Porque se você só quer economizar, você pode muito bem abrir um restaurante e preparar os pratos com o que encontrar no lixo. Não vai custar nada e por isso vamos ter "economizado". Mas não é certeza que os nossos clientes vão apreciar. Há, portanto, um custo para a criação de um serviço, mas há sobretudo um custo enorme pela ausência do serviço, tal como para uma empresa há um custo para a criação de uma política de qualidade e um custo para a ausência dessa política.
O desafio consiste em estimar o custo da implementação em comparação com o custo da ausência, a fim de ver se a implementação é interessante e decidir como fazer a implementação.
Uma melhor distribuição das finanças, isto é, uma melhor organização do país, visa evitar acidentes tanto quanto possível (asfalto sem buraco, iluminação de rua correta...) e, no caso de ocorrer o acidente, minimizar o seu impacto com serviços de salvamento próximos e eficazes. Ao mesmo tempo, uma melhor distribuição do financiamento significa também fazer as contas e, portanto, verificar se as despesas valem a pena. Se você gasta R$ 1 milhão por mês para um serviço de incêndio que apaga uma vez por ano um incêndio de uma casa de R$ 200.000, é melhor fechar este serviço e reembolsar a casa. Vai custar menos.
Um novo tipo de impacto negativo
Se as consequências dos incêndios já eram desastrosas quando foi publicado "America Burning", depois houve outros elementos que agravaram a situação. Para o nosso país, a maioria das exportações são de produtos brutos, que as empresas estrangeiras compram e transformam. Ora, no caso da Europa a epidemia da "Vaca Louca" (anos 1990), aumentou muito a demanda por rastreabilidade de produtos: agora, o consumidor Europeu sabe de onde vem cada grão do seu café, ele sabe se a banana do mercado vem de um país que respeita ou que não respeita os direitos humanos e se o suco de manga vem de um território que protege a floresta...
Associado à consciência ecológica global, este conhecimento da proveniência pode ser economicamente muito embaraçoso: quando a floresta arde e não há ninguém para extinguir, isso é visto em toda a TV do mundo, o consumidor se revolta de tal situação e protesta deixando de comprar os produtos de tal país. Esta "força" do consumidor não deve ser negligenciada, especialmente sabendo que no mercado mundial a concorrência é dura e sempre haverá países que produzem o mesmo que nós e que vão aproveitar as nossas dificuldades, ou a nossa imagem de marca ruim, para ocupar o mercado em que nós estávamos tranquilos.
Conclusão
Neste primeiro artigo, começamos a ver que tudo está relacionado e a escolha dos investimentos é um ponto importante. De fato, recebendo o mesmo salário, há famílias endividadas, enquanto outras estão muito bem, obrigado. É óbvio que pode haver falta de dinheiro. Mas no fundo o problema é a gestão e, portanto, a distribuição.
Como distribuir melhor, ou seja, como "ter "mais gastando menos"? No próximo artigo, responderemos à primeira pergunta que qualquer Prefeito deve fazer a si mesmo: quantos acidentes existem por ano na minha cidade? Tente pensar sobre esta questão. Pergunte aos seus amigos, colegas. Escreva os valores que você encontrar e no próximo artigo poderá verificar se a sua estimativa é boa... ou não. Em novembro!
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